(Artigo editado na revista Balde Branco)
Se existe um conceito difícil de ser discutido e introduzido na fazenda leiteira brasileira, este é o da separação do bezerro após o parto. É o que pode ser comprovado quando o tema é apresentado para produtores, técnicos e até para pessoas desvinculadas da atividade rural.
Algumas reações contrárias à proposta são justificadas pelo fato de os rebanhos serem constituídos de matrizes mestiças de Zebu, que não aceitam produzir leite sem a presença do bezerro ao pé, indicando desconhecimento de técnicas de manejo por parte do produtor, que possibilitem a retirada da cria. Os adeptos do bem-estar animal, por outro lado, argumentam que o ato não é natural e provoca sentimento de mal-estar e infelicidade na mãe e no filho, atribuindo sentimentos humanos aos bovinos. A realidade encontrada no País é que a grande maioria das propriedades opta mesmo por aleitamento natural, mantendo o bezerro junto à mãe por toda a lactação. Dados de levantamentos de campo realizados em vários Estados revelam que menos de 9% das propriedades adotam aleitamento artificial, ou seja, o bezerro deixa de mamar na mãe e recebe a dieta líquida em baldes ou mamadeiras, uma prática consagrada em fazendas leiteiras de regiões de pecuária evoluída. Isso possibilita a racionalização da ordenha, economia e também condições mais favoráveis para a criação do bezerro.
O aleitamento natural existe desde que o homem domesticou a vaca leiteira. Inscrições em tumbas de faraós egípcios, gravuras indianas de épocas remotas, pinturas europeias da idade média e fotografias antigas mostram bezerros ao pé da vaca para atividades de ordenha. A prática é ainda mantida em larga escala em regiões atrasadas da África, Ásia, América Latina e Oceania, que utilizam sistemas rudimentares de manejo e desconhecem conceitos tecnológicos. Prevaleceu durante um longo período também em regiões, hoje, consideradas desenvolvidas, ou seja, até que a produção de leite deixou de ser conduzida como arte e passou a ter como base informações científicas, o que ocorreu a partir da Revolução Industrial e, mais intensamente, nos primórdios do século XX. Conhecimentos sobre fisiologia da lactação e nutrição de bezerros pré-ruminantes possibilitaram a introdução de aleitamento artificial com desmama precoce. O uso do leite de maneira liberal para a criação do bezerro é desnecessário e seu uso limitado ou a substituição por sucedâneos possibilita economia real, sem prejuízo do bezerro. O leite é um alimento muito caro e pode ser substituído por sucedâneos, volumosos e concentrados mais baratos.
Além da redução significativa no custo da alimentação das crias, a separação do bezerro permite também eliminar o macho do sistema, porque, se vendido na hora da desmama, normalmente não consegue pagar os 400 a 600 litros de leite que consumiu da mãe no período de lactação.
A perda de renda nas fazendas leiteiras brasileiras é considerável, pois num exercício simples de simulação, se estima que de 5 a 6 milhões de machos chamados leiteiros são alimentados com leite por ano, o que representa uma perda de receita para o setor leiteiro equivalente a pelo menos 2,5 bilhões de litros de leite no período. O aproveitamento desses animais para a produção de carne, se fosse viável, deveria ser baseado em aleitamento artificial com sucedâneos e desmama precoce, como ocorre em regiões desenvolvidas.
Os benefícios do aleitamento artificial aparecem também no início da vida, pois pesquisas revelaram que, deixados com as mães, 25% dos recém-nascidos não ingerem colostro nas primeiras 24 horas de vida, fato que prejudica a transferência de resistência para a cria, porque à medida que o tempo passa, ocorre perda de imunoglobulina no colostro (27% em 10 horas) e capacidade de absorção pelo intestino.
Nem sempre a quantidade recomendada de 3 litros de colostro de boa qualidade, nas primeiras 6 horas de vida ou 7 litros em 24 horas, é observada quando o bezerro permanece com a mãe. Além desses aspectos, se o bezerro consumir sujeira na tentativa de mamar será muito prejudicado pela ingestão de microorganismos patogênicos num momento da vida em que o intestino está “aberto” para absorção de moléculas protéicas maiores.
Por todos esses fatos, se recomenda, hoje, o fornecimento forçado de colostro logo após o nascimento e a manutenção de banco de colostro congelado de boa qualidade para garantir sobrevivência e bom desenvolvimento inicial do bezerro.
Vidal Pedroso de Faria é professor da Esalq-Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e membro do conselho editorial de Balde Branco.
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